Vivemos em um mundo muito moderno, onde as crianças já
nascem praticamente sabendo como lidar com um telefone do mais avançado, ligar
a tevê de alta resolução sem precisar pedir para os pais, navegar pela internet
com desenvoltura invejável. É natural – cada um aprende a se virar de acordo
com a sua época. Por isso que sabemos que aquelas pessoas que nasceram há
muitas décadas atrás não fazem a menor ideia de como lidar com as modernidades
atuais, e isso também é perfeitamente natural até que esses senhores e senhoras
se encontram numa situação da qual não é possível fugir. Pode acontecer com
qualquer um, inclusive com você que está lendo isso agora, daqui a alguns anos.
Nunca se sabe, portanto não se ria, ora essa.
Vejamos o caso da Dona Lila. Senhorinha de setenta e poucos
anos, baixinha, pele enrugada e com aquelas manchas características de
senhorinhas de setenta e poucos anos. Seus longos cabelos grisalhos davam-lhe o
ar de respeito, juntamente com seu óculos de aro pequeno delicadamente pendurado
quase na ponta de seu nariz, transformando o rosto de Mariana (seu nome
verdadeiro, pois Lila era um apelido carinhoso de seu falecido marido, e que
acabou pegando na vizinhança) em algo muito parecido com uma obra de Niemeyer.
Era uma idosa de aparência simpática, exceto quando tinha que lidar com um
pesadelo recorrente em sua rotina: um micro-ondas que ganhou de sua filha no
dia das mães do ano passado.
Ela acabou aceitando o presente com sorrisos, sinceramente
feliz por ter sido lembrada por Ana, sua filha mais velha e a mais afastada
dela, por conta do casamento e do fato de morar longe da casa de sua mãe.
Porém, passada a festinha, veio a constatação:
- O que diabos vou fazer com esse negócio?!
Acabou chamando o neto mais novo de sua melhor amiga, a
vizinha Vitória, tão velhinha quanto ela. Vitinho era um rapaz de quinze anos, moreninho,
boné de aba reta virado pro lado, andava na rua com óculos espelhado e umas
correntonas que deixavam Dona Lila apavorada, pois achava aquele visual um
horror. E realmente era mesmo. Mas como não havia a quem recorrer, pediu que
ele fosse até a casa dela para ligar aquela caixa branca na tomada e para
ensiná-la como é que se mexia naquilo. Como ele não tinha nada para fazer
depois do colégio matinal (e obviamente pressionado pela avó), ele topou e foi.
Mas o moleque se limitou a sentar-se numa cadeira e indicar
os comandos para Dona Lila que, de pé diante do micro-ondas, quebrava a cabeça
para adivinhar o que devia fazer, enquanto ele se pendurava em seu celular
ultramoderno:
- Ó, a senhora pega e aperta esse botão aí do lado desse
botãozão vermelho, esse grandão, pra descongelar as carnes. Aperta esse, daí a
senhora programa quantos minutos precisa pra descongelar e quantos quilos tem a
carne que a senhora botou aí dentro, depois aperta o último botão ali, aquele
marrom...
- Menino, será que dá pra você levantar daí e vir aqui me
ajudar? Não tô entendendo nada...
- Não dá não, tô aqui com uma mina no Whatsapp...
A velhinha tinha posto um prato de carne dentro do aparelho,
só pra testar. Mas era um prato de plástico, e como todos sabem (se não souber,
é porque você também não deve gostar muito de tecnologias...) esse tipo de
material não se dá bem com fornos assim. E pra ajudar, esqueceu uma colher
junto. Eis que ela conseguiu ligar, mas quando as faíscas começaram a sair de
lá de dentro, tanto ela quanto o moleque saíram correndo, achando que, no
mínimo, aquele troço ia explodir. Não explodiu, mas rendeu a Vitinho um belo
sermão tanto de Dona Lila (que no susto apareceu descabelada e de chinelos na
rua, coisa que ninguém nunca tinha visto até então) quanto de Dona Vitória; e, claro,
sermão à moda antiga.
O fato é que no dia das mães desse ano, tudo corria bem até
que os vizinhos ouviram um grito vindo da casa da velha Mariana. Ela havia
acabado de abrir seu mais novo presente, dado pela filha mais nova, Júlia, que
morava no estrangeiro. Não foi muito difícil para quem ouviu o que ela disse,
em alto e bom som, adivinhar o que ela quis dizer quando descobriu que havia
ganho um notebook novinho em folha:
- Pelo amor de Deus, de novo não!
2 comentários:
Parece eu e mainha às voltas com o computador e o delular... meu velho sequer tenta, mas já se acha O mestre por saber escrsver sms... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Ai, ai, li isso me sentindo uma criatura muito cruel...
Eu vi minha mãe aí no texto. Pra ela, essas coisas de tecnologia são assim, meio alienígenas, sabe?? Acho que eu também estou sendo um pouco cruel, mas isso não acontece mesmo, de verdade? Será que quando tivermos nosso 70 e poucos anos vamos ficar assustados com as novidades e nossos netos vão achar tudo engraçado? aiaiai...
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