sábado, 24 de dezembro de 2005

Presente de Natal



O garoto caminhava pensativo. Apesar de já estar às vésperas do Natal, ainda precisava freqüentar a escola, pois não havia conseguido fechar as notas e enfrentava uma complicada recuperação, em várias matérias.
Sabia que seu pai estava desempregado, sua mãe vivia de bicos, principalmente lavar roupa para algumas mulheres ricas que a olhavam com desprezo. Como iria conseguir ganhar seu presente de Natal?
Pensou em mandar uma cartinha para o Papai Noel, porém nem sabia seu endereço. Aliás, nem mesmo escrever direito sabia, apesar de estar na quarta série. Mas, sabia que precisaria fazer um esforço enorme para conseguir o que queria. Resolveu então rabiscar algumas mal escritas letras para deixar junto com seu sapatinho na janela da sua casa, na esperança que o velho Noel atendesse seu pedido.
De tanto ouvir seus coleguinhas dizerem que era só deixar um recado junto ao sapato na janela que o presente viria, à véspera do Natal, pegou seu surrado sapato, abriu a janela e o deixou lá, juntamente com seu pedido.
No meio da noite, ouviu um barulho. Acordou assustado, mas, ao recordar do sapatinho na janela teve um lampejo de esperança.
Levantou, pé-ante-pé e caminhou até a sala. Tentou acender a luz, porém lembrou-se que a energia estava cortada. Na escuridão, divisou um vulto, que já partia para cima dele, com uma certa pressa. Então ele disse:
- Papai Noel???
O vulto parou, estático. Parecia que um raio o havia atingido em cheio.
- Papai Noel??? Repetiu o garoto.
- Você veio atender meu pedido??? Vai trazer comida para minha família, conforme o recadinho que deixei em meu sapatinho???
O homem levou um choque maior ainda. Não sabia o que fazer. Ficara imóvel, sem reação. Um lágrima brilhou em seus olhos...
- Sim. Balbuciou, em um fio de voz que tirou do fundo de sua alma. – Vá dormir agora, de manhã você verá.
Em um rápido movimento, pulou a janela de volta para a pequena estrada deserta e pensou:
- Sou um crápula. Como pude pensar em roubar uma casa tão pobre. Que imbecil fui. Agora ainda tenho o compromisso de levar comida para aquele garoto.
Absorto em seus pensamentos viu um carro virar em alta velocidade e partir para cima dele. Se não desse um pulo para trás e se espremesse contra o barranco, seria atropelado.
O carro bateu em um poste, rodopiou, bateu em outro poste e se partiu em dois. O motorista, preso pelo cinto de segurança, estava todo ensangüentado.
Correu até o carro, o homem ainda respirava e falava repetidamente:
- Não leve meu dinheiro... Não leve meu dinheiro... Ele é tudo o que tenho... Eu consegui juntar meu dinheiro... Não leve meu rico dinheirinho...
Não conseguia entender nada, o homem todo machucado, ao invés de pensar em sua vida, pensava em dinheiro? Não se conformava com isso. Ao pensar na situação, viu que uma maleta executiva caia do banco de trás do veículo e ao bater no chão, abriu-se e apareceram muitas notas de dólares. Olhou para os lados, não viu ninguém. Pensou consigo mesmo:
- Isso aqui deve ser dinheiro de malandro. Um cara num carrão bacana, totalmente bêbado, ao invés de pensar em sua vida, pensa em dinheiro. Deve ser alguma grana desviada de algum lugar. Eu é que não vou perder a oportunidade de ser um Robin Hood. Ah! Esse bacana tinha que aparecer agora. Isso só pode ser presente de Papai Noel e, pelo que estou vendo, essa grana vai dar para muita coisa. Acho que vai dar inclusive pra eu sair dessa vida de roubos.


No dia seguinte, o menino acordou eufórico. Correu até a sua sala e viu uma árvore de Natal, mais bonita que já havia visto na vida. Ao lado da árvore viu várias cestas com comida que daria para vários meses e ao lado um pacote de dinheiro com o seguinte bilhete:
- Espero que você nunca mais passe fome. Esse dinheiro, dê para seu pai e diga para gastar com muito cuidado para não faltar mais nada. Assinado: Papai Noel
Quando já ia sair gritando de alegria, viu escondida atrás do velho sofá, uma bicicleta, outro grande sonho de sua vida.
Subiu na bicicleta e saiu eufórico pela velha estrada. Ao andar uma boa distância, já quase próximo da cidade, viu uma carro do Corpo de Bombeiros, retirando os restos do que ele imaginou ser um carrão de luxo. Virou a bicicleta de volta e foi correndo mostrar para sua mãe o presente que havia recebido do próprio Papai Noel.

(Baseada em uma antiga música de Tonico e Tinoco, que minha mãe jamais conseguiu lembrar o nome, apesar de sempre se lembrar dela). Peço desculpas ao Felipe, por ter adiantado a postagem de meu texto. Seria impossível colocá-lo amanhã, dia de Natal. Feliz Natal a todos e um excelente 2006.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Assassinato de Natal

- Tá devendo quinhentos!! E é bom mesmo que tu me entregue essa grana até hoje à noite, saca?
- Beleza, p-p-pode deixar, vou conseguir, pode deixar!! – respondeu ela, trêmula.
- Bom mesmo. Tu já sabe o que acontece com quem deve grana alta igual essa e não paga no prazo, sabe não?
- Pode deixar mano, já falei que te pago o bagulho todo hoje mesmo!
- Hoje vai até a meia-noite. Melhor que pague, que seja com qualquer troço que vale o mesmo que a grana. Vai ser meu presente de natal – disse ele, sardônico. – Agora , se apresse em fazer teu trabalho! Cai fora!
Saiu da boca-de-fumo, muito olhada pelos capangas da chefia do local. Eles deviam estar gravando em mente quem deveriam matar depois, se fosse necessário.
Daisy estava naquela vida, ou melhor, naquela morte, há um bom tempo. Uma garota rebelde, havia cansado de ser sempre a criança que tinha menos. Não se conformava com a vida humilde e estúpida que tinha. Então um dia decidiu começar a trilhar um caminho que lhe rendia um pouco de prazer com parte do dinheiro que tinha. Aos poucos aprendeu a conseguir mais por conta própria. Era uma ladra bem evoluída nas ruas e tinha sempre em mãos a “grana fácil”. A dívida só cresceu pois ela estivera na prisão nos últimos meses, somente contatando a galera da boca quando tinha alguma vontade.
Pois bem, lá foi ela, em véspera de Natal, à caça. Tudo fechado, então deveria esperar apenas em alguma rua de bastante movimento. Tentava encontrar vítimas fáceis, mas naquele feriado ela estava receiosa. Por quê? Talvez pelo solene espírito da data.
Passam as horas e ela consegue somente metade do dinheiro. Roubando um pouco de cada, Tática estúpida! Devia logo tirar tudo o que eles tinham! Afinal, ao menos eles não perderiam a vida. Encosta numa parede de uma rua escura e aguarda pela morte. Vinte para a meia noite...
Até que um senhor em trajes de Papai Noel antigos e mofados, passa pelo lugar, apressado. Carregando consigo uns papéis de embrulho, e... um videogame. Um que certamente vale mais que a dívida. Daisy não pensa duas vezes... Verifica o revólver e segue o bom velhinho. A uma boa distância pra um disparo, interfere no caminhar do senhor.
- Parado aí, Papai Noel!
O senhor se vira e se depara com aquela cena de gelar o coração...
- Adoro videogame – Satiriza a cruel Daisy – Passa agora, velho.
O senhor começa a chorar. Um choro daqueles que não se interpreta por medo ou por tristeza. Um choro enigmático, eu poderia dizer.
- Por favor, não faça isso comigo! – Suplica a vítima – Por favor.
“Terei de matá-lo pois só tenho uma bosta de quinze minutos.”
- Passa logo. – Diz em bom e frio tom.
O pobre demonstra medo e sinceridade em suas palavras :
- Por favor, moça! Eu, eu... Eu economizei pelo ano inteiro com minha aposentadoria... Por favor eu imploro... Meu neto quer muito esse videogame, eu preciso...
- Cala a boca, velho maldito! – Interrompe a vilã. – Dá aqui logo essa bosta!
O velho senhor chora ainda mais...
- Por favor moça, meu neto sonha com isso... Deus vai lhe compensar, eu prometo! Eu prometo, de verdade, por favor...
- Por favor digo eu, passa logo velho, você é surdo?
- Moça Deus vai te abençoar se...
- Cala a boca praga! Passa, senão morre!
Dez minutos. Ele pensa um pouco... e responde em tom de desafio:
- Vou morrer pra ver meu neto feliz. Ele nunca teve nada do que quis. (...)
O espírito de Natal e palavras que demonstram amor. Quão frágil é a malandra Daisy perante eles. Pequena, e ela sempre odiou ser menor do que os outros. Ela olha para o homem, com o gelo metálico do revólver nas suas mãos...

(Fora do tempo, fora do espaço) Daisy lembra-se do quanto sua mãe teve de trabalhar uma vez, para lhe dar uma boneca de Natal. Foi uma surpresa e um esplendor, receber nas mãos o brinquedo que tanto queria. O nome da boneca foi Maria, como o da mãe de Jesus. Engraçado pensar que a “porra-loka” já acreditou naquele Natal, no Menino Jesus. Como aquela bondade e pureza se perdeu...

Em meio dos seus pensamentos, Daisy movimenta os lábios como fazendo uma oração silenciosa. O senhor a observa durante aqueles minutos de meditação. A arma permaneceu no lugar, pronta para matá-lo. Mas a expressão daquela moça mudou bastante. Daisy estava em um grande dilema pra resolver com menos de dez minutos. Ela vê, no fim da rua, os capangas esperando por ela. Pois bem Daisy, matar ou morrer.

Mata ou morre? Morre ou mata? Mata a lembrança? Morre o senhor? Morre Daisy? Mata o Natal?

Daisy chora agora. Choro enigmático.
- Cai fora, teu velho ordinário! – soluça. E larga o revólver no chão.
O pobre homem se espanta com a atitude da garota. Da posição em que foi abordado, voltou a sentir seus movimentos. Ia se retirar, mas retorna em direção à Daisy.
- Obrigado e que Jesus lhe dê um Natal de Paz – Abraça a garota por alguns minutos e chora com ela.
Daisy chora ainda mais.
Quatro minutos. Por alguns instantes o amor daquele abraço faz Daisy perceber que fez a coisa certa. O garotinho poderá ser feliz com o videogame. E ela... Bem, ela terá de se virar. Fazer o possível no jogo de palavras pra não morrer. Se dirige ao seu destino... Dois minutos...
No caminho o calor da sua ex-vítima a acompanha. Aquilo era amor... Amor ao próximo, que sua mãe lhe ensinou... já está próxima dos seus assassinos. Um minuto, sessenta segundos pra se explicar... Todos eles já apontam seus revólveres...
- Amarelou amiguinha? – provoca um deles.
- Bem... Não quero nem vou dizer nada. Fodam-se todos vocês.
Estrondos se combinam com os sinos da capela. Daisy não sente nada, só se sente amada. Sinos sinos e tiros. (...) Feliz Natal! Feliz Natal! Feliz Natal.

Natal, tempo de mudanças!!! Cristo nasceu!! E Daisy morreu... (?)

...

...

...

- Ela está bem doutor?
- 6 tiros já é muito, pelo jeito após se recuperar ela terá de se mudar pra longe, os caras são cruéis. Eles não miraram em pontos vitais porém teremos de amputar uma perna, infelizmente.
- Pobrezinha...
- Sim... Talvez isso marque o ínicio de uma vida nova pra ela.
- Vida nova.
Tenham todos um ótimo Natal e que o menino Jesus possa nascer em nossos corações, possa os nossos corações transformar, como na narrativa... Abraços e obrigado a todos.! Votem na gente na Omni Cam 2005!! ;P

terça-feira, 13 de dezembro de 2005


figura: "Little Old Letter", de Tony "T'Afo" Feimster - disponível à venda em http://www.aacc-charlotte.org/artwork.htm
"Com'è difficile dire tutto questo a te..."
(A. Valsiglio, G. Salvatori, Cheope, M. Marati)

Querido Papai Noeu,

Tenho que confesar... não fui um bom menino, esse ano.

Eu não obedeci minha mãe. Sempre enchi a passiênssia dela até ela gritar. Até apanhei algumas veses. mas depois, ela vem pedir desculpas, como se tivesse doído nela... e assim, tudo fica bem!

Com o meu pai, eu sempre fui respondaum. Ele é muito brabo, o que deixa tudo mais engrassado. Não era tão engrassado quando ele perdia a passiênssia comigo e me botava de castigo com o cinto na mão, mas tudo sempre ficava bem, afinal, eu sou o garotaum da casa!

Já a minha irmã eu não perdou! Sumi com as coisas dela e briguei com ela o ano inteiro. Minina chata que nem ela, que só faz estudar, só presta trata assim, mermo! Mas, Papai Noeu, eu não deixo ninguém batê nela! Só eu!

Falando em iscola, também não fui um bom aluno... colei nas provas, não fiz as tarefas que pasaram pra casa, respondi a tia, souto piadas no meio da aula, jogo bola de papel nos CDFs... Fiquei até de recuperação e quaze repeti o ano! Não quero nem pensar no que papai ia fazer comigo, Papai Noeu!

Bem, Papai Noeu, eu tinha que contar tudo isso nessa carta...

É que mamãe me disse que meninos que naum se comportam bem não ganham presentes no Natal... e eu tinha feito uma lista pra mandar!!! Então, será que, confessando todas as coisas ruins que eu fiz, eu ainda posso ganhar a minha Lamburguini de brinquedo?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005





These are Days of our Lives
(microconto de Natal)

"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.
Porque se você parar pra pensar, na verdade não há."
R. Russo / M. Bonfá/ D. V. Lobos, "Pais e Filhos"


Ernesto levou seu filho que tanto queria ver o Papai Noel. O moleque - chamado carinhosamente de Dudu - esperneou a semana toda para ver aquele homem vestido com uma roupa vermelha, barba (quem sabe falsa) e gorro com um pedaço de... como se chama aquilo mesmo? Ah, lembrei. Algodão. Então... com o tal gorro com o tal algodão branco na ponta. O bom velhinho havia chegado numa quinta ensolarada, de helicóptero, no único shopping da cidade. E desde então Dudu gritou e bateu o pé, exigindo que seu pai o levasse. Ninguém alí sabia, mas suas vidas seriam mudadas. A de Ernesto, a de Dudu e até a do Papai Noel.

Júlio era aposentado, e para garantir os bicos do fim de ano, resistiu a tentação de uma dieta, deixou a barba crescer, passou a usar o óculos e venceu (em partes) o seu terrível medo de altura, para poder andar de helicoptero todo fim de ano. Ele era o Papai Noel, mesmo achando toda aquela festa um tanto quanto macambúzia, sorumbática e meditabunda. Fazia a alegria das crianças durante um mês. Pena que não conseguia fazer a dele. Separado há algum tempo, sempre sofreu calado com por conta da indiferença com que tratava o seu filho, quando ainda era casado. E quando finalmente os laços matrimoniais finalmente se desataram, a consciência pesou, a barriga aumentou, a barba cresceu e alí estava ele.

A hora havia chegado. Ernesto esperava fora do perímetro da fila, olhando as vitrines com a amargura de quem está sem emprego, e sem perspectivas de dar um presente decente ao filho. Enquanto isso, Dudu caminhava para a felicidade, nem que fosse por apenas cinco minutos. Ele sentara no colo de Júlio - ou melhore seria chamá-lo de Papai Noel? - que estava completamente mal-humorado naquele dia. Estava alí faziam três horas e meia, já não aguentava mais ouvir "Quero uma bicicleta", "Quero um patinete", "Quero um AUDI", ou qualquer coisa assim. Já estava farto, e pensava seriamente em deixar aquela vida e viver tranqüilo fora dos shoppings e da roupa extremamente quente que vestia naquela ocasião.

E então, Dudu sentou-se no colo de Júlio-Papai Noel. E transcrevo aqui a conversa dos dois.
(Não que eu os conheça. Sou apenas um narrador. Eu ouvi essa história porque o tio do vizinho do meu amigo contou para a avó dele, que contou para a tia da sua vizinha, que falou para a empregada dela, que por sua vez passou para o seu marido, que espalhou pelo escritório, de onde o meu irmão ouviu, me contou e eu estou contando para vocês)

- Fala.
- Oi.
- Fale - disse, emburrado.
- Sabia que eu sempre quis ver o senhor de perto?
- Você e a torcida do Flamengo. Diga o que quer. Tem mais gente esperando.
O menino o olha com os olhos de quem está encantado. Papai Noel apressa:
- Garoto, faça o seu pedido. Não tenho o dia todo.
- Aaah. Tudo bem.
Silêncio.
- E então?
- Eu queria uma arma.
- O que??? Porque quer uma arma? Ficou louco???- espantou-se Julio.
- Uma arma sim. Ouvi meu pai falar com minha mãe que a situação está dificil. Ele desejou ter uma arma. Sabe, meu pai tá sem emprego, minha mãe só faz lavar roupa. E eu não trabalho. Tenho sete anos. Meu pai falou que se tivesse uma arma, ele mudaria tudo. Queria poder ajudar eles. Quero uma arma.
Completamente abismado, Julio disse:
- Caramba... você sabe que não pode pedir isso? Você ainda é menino, não entendeu o que seu pai quis dizer. Não peça a arma. Por favor.
Os olhos de Dudu lacrimejam. E todos sabem que criança lacrimejando corta qualquer tipo de coração. Julio o olhou, desconcertado.
- Não...eeh...unft... não posso te dar isso. Escolha outra coisa.
- Não posso. Prometi para Deus que ajudaria eles. E vou ajudar.
- Tira isso da cabeça moleque! Pare! Isso não vai ajudar em nada! Quer matar os seus pais? Quer?? Porque quer fazer isso com eles?
Silêncio.
- Quero que eles sejam felizes. Quero a arma porque os amo demais para não ajudar.
- ...
E Dudu foi embora.

Dias depois, Ernesto achou um emprego. Ganhou um adiantamento, abasteceu a dispensa e deu um presente que seu filho sempre quis: um autorama novinho em folha. Ele nunca soube do pedido do filho para o Papai Noel.
Dudu tirou a idéia da arma da cabeça. Não iria precisar mais dela. Finalmente, sua familia estava feliz, e ele também. E viveram em paz.

Alguns dias depois, há exatamente 204 quilômetros dalí, Júlio desembarca na cidade onde sua ex-esposa e seu filho vivem.
Decidido a tirar o tempo perdido.
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*O autor deste conto pede desculpas pela simplicidade do mesmo, mas aproveita para desejar sinceros votos de um feliz natal, cheio de paz e de prosperidade para todos os leitores e para os companheiros deste projeto. E deseja parabenizar a Felipe Policarpo a indicação ao OmniCam 2005, na categoria "melhor cronista", e no mesmo prêmio, este blog foi indicado a "melhor blog de crônicas". Boa sorte.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005


cartas sem resposta


SEMPRE QUE O NATAL SE APROXIMA, Javier fica triste. Pensa nas crianças mortas pela fome, nos mais velhos, nos que dão vida ao vão dos viadutos, nos que estão nus da alma pra baixo. Pensa naqueles que tem vontade e não podem, nos que ainda querem ser alguém. Pensa – afinal de contas – que o mundo é injusto e não há muito que se fazer quanto a isso.
Quando pequeno, Javier escrevia cartas ao Papai Noel. Até que um dia se cansou. As respostas nunca chegaram.
Javier nunca mais escreveu pra ninguém. Cartas. Telegramas. Cartões-postais.
O endereço continua o mesmo. Ele mora na mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma rua desde muito tempo. Nem saberia dizer quanto.
Sua casa fica no final da rua, uma casinha meio sem graça, com a pintura gasta, a cerca quebrada, o portão enferrujado. E mato juntando no quintal.
Todos os dias, ele busca ocupação pelas outras ruas da cidade. Busca trabalho pra ocupar o tempo e não ficar em casa pensando em crianças mortas pela fome e coisa e tal.
Não há mais vagas –dizem – pra quem já passou dos cinquenta.
Então, pelo oitavo ano seguido só lhe sobra um tipo de trabalho: ser papai noel.
Então, pelo oitavo ano seguido, sem outra opção, ele veste aquela roupa abafada, cola aquela barba na cara, treina um ho-ho na frente do espelho enquanto escova os dentes e se dirige ao centro comercial da cidade.
Lá, passa horas conversando com crianças, muitas crianças. Enquanto os pais fazem compras.
E Javier fica triste. Ainda mais triste. Não por ser papai noel, mas por ver que entre aquele formigueiro de gente indo e vindo, num consumismo desenfreado e sem lógica, os únicos olhos, sorrisos e pedidos sinceros são daquelas crianças, que depositam nele, Javier/papai noel seus sonhos e esperanças.
O que elas têm de mais belo e puro.
E seus olhos lacrimejam por pensar que as pessoas não dão a mínima para o significado do natal. Mas ele sabe que, apesar de tudo, nunca se deve enganar as crianças.
Javier fica triste, mas sorri por fora. Um sorriso sem promessas. Como cartas que jamais terão respostas.
E todas as noites assim que o expediente termina, ele se despede sorridente de todos e volta solitário para casa.
E pensa que o mundo poderia ser um pouco melhor se fosse da maneira como as crianças imaginam.
Ele ainda é capaz de sentir sensações diversas, rir, chorar, se emocionar.
Mas não consegue ver o natal como as pessoas vêem.
Às vezes, sorrir é a melhor maneira de chorar.

wallace puosso