sábado, 8 de abril de 2006


Efeitos da prisão e efeitos da liberdade



Ele pensa:"Mas não renunciarei de minha nação; mesmo ela sufocada por esta estúpida prisão que deixou todos silenciosos."

(...)

Córdoba , 12 de agosto de 1970

Medo. Essa ditadura interfere com intensa força na arte da minha nação. A arte escrita, e a
arte falada, e a arte cantada, e a arte atuada. E a arte vivida. A arte é um perigo pra
eles...E eu que não hesitei em desafiá-los... fazendo uso do único talento que tenho pra
contribuir... continuei mostrando a eles (antes não sabiam que era para eles), passando pras
minhas telas aquilo que ficava preso na minha garganta sempre que um deles me interrogava. E
eu não parei de pintar meus códigos, e eles entenderam meus códigos...

E me mandaram pra cá.

Agora cá estou eu; sem família, sem dinheiro, sem uma boa morada, sem fé, sem amigos.
Doente.

Me resta agora deixar que a vida me leve... começo agora, com uma última tela.
"Verde, amarelo, azul e branco fazem as cores do meu berço.Vermelho, mancharam de sangue. O sangue daqueles que bravos lutaram por tudo o que hoje os
outros não falam... Lutaram pelo povo que acabou preso.

A carruagem da justiça hei de trazer liberdade.Todos estão cegos, surdos e mudos. O Brasil neste momento é o treapor. Mas sei que isso irá
mudar. Logo minhas telas serão vistas novamente. E as rádios voltarão a trazer momentos de
paixão e felicidade. E os jornais e as revistas e os papéis mostrarão que tudo mudou...
É este pensamento que me mantém de pé neste lugar. Não é por acaso que eu estou aqui.

Repito,
a liberdade virá.... e as pessoas voltarão a ter acesso à minha arte... e dos meus amigos
músicos... e dos meus amigos atores... ... ...é pra isso que tentei fazer minha parte!

(...)

---------------------------------------------------------------------------------------------
23 de março de 2006, em um barzinho de Sampa...

Um jovem em uma das mesas pensa:
"Puta véio, mas essa mina da propaganda da cerveja é muito gostosa mesmo!!"
Umas garotas pouco vestidas pedem pro balconista:
"Aê tio!! Coloca Tati Quebra Barraco aí!! Volume máximo, hein!"
Um senhor lê numa manchete:
"Dança da pizza no plenário..."

Enquanto ali por perto, acontecia um assalto num farol.

Eu penso:"Mas não renunciarei de meu Brasil; mesmo ele sufocado por esta silenciosa liberdade que deixou todos estúpidos."
Peço desculpas ao Wallace pois sei que no decorrer da minha narrativa acabei fugindo totalmente do tema. Mas espero que não deixem de observar que é relativo a ele, e que não está tão ruim assim, vai... ;(

sábado, 1 de abril de 2006

---------------------------------------------------------------------------------
Andaluzia, um dia qualquer no futuro


Meu caro amigo,


Escrevo-lhe do exílio.
As coisas por aqui não andam nada fáceis.
Os tempos são de cautela e caldo de galinha – como se dizia nos velhos tempos.
Alguns valores inverteram-se outros foram suprimidos. Olha só! Ser honesto agora é qualidade!
E não se falam mais em ética, esse conceito que soa tão caro!
Outrora, os tempos eram de generais. Hoje são de generalidades. E não há mais jogo de palavras ou palavras com duplo sentido. As palavras de verdade viraram pó na esteira do tempo. A escória protege-se por hábeas corpus e hábeis advogados de rapina.
Discursos imediatistas e líderes populistas.
Dizem que aqui é o país do futuro. Lugar de um povo sem memória, sem rosto e sem raiz. Já nem se lembram mais de como se faz um país.
Este é um lugar que some da lembrança quando se fecham os olhos.
Às vezes, sinto-me como Édipo: ele não se cegou por punição, mas por excesso de informação.
De que me servem as manchetes do dia? De que adiantam links e atalhos que não levam a lugar algum?
A memória dos dias felizes é como um porta-retratos vazio.
Antes, sabíamos exatamente quem era o inimigo. Ele vestia farda e governava com mão de ferro e atos institucionais. Hoje sabemos que o inimigo continua lá, poderoso como nunca, travestido de terno-e-gravata e muitas vezes, governando por medidas provisórias
Meu caro amigo, acho que perdemos o trem da história. E como achismo não se enquadra em qualquer linha de pensamento pós-socrático nem numa estética de vanguarda, talvez Oswald, Mário, Sérgio Buarque e tantos outros, tivessem de fato razão.
Este é o lugar que precisa ser reinventado. Urgentemente.
Quando foi que nos sentimos donos desse lugar?
A cordialidade do homem tropical é seu atestado de insanidade moral e seu prenúncio de derrocada civil.
A bem da verdade, estou decepcionado com o rumo que as coisas estão tomando.
Precisamos tomar cuidado. Atrás do líder populista, que promete a redenção, tem sempre a sombra de um ditador.
Quero voltar, mas tenho medo. Não sei mais em quem confiar.
Só restou você. E a música do Chico.
E olha que já é bastante.

Sempre seu,

Fulano de Tal
---------------------------------------------------------------------------------