sábado, 24 de setembro de 2005

Tarde demais...

Quando percebi, já era tarde demais. Estava numa ruazinha escura, uma espécie de beco. Estava tão atordoado que não reconheci o lugar. Talvez fosse o efeito daquele uísque de segunda que eu havia tomado.
Comecei a ficar com medo. Não sabia se estava realmente onde eu imaginava que estivesse. Tentei forçar memória para ver se conseguia lembrar porque estava ali. Nada me ocorria. Pensei que a loucura tivesse me acometido. De repente perdi o equilíbrio e cambaleante percebi que estava completamente bêbado.
Ouvi um barulho ao lado, pensei que seria assaltado. Naquele horário... Que horas seriam agora? Percebi que era madrugada, já passavam bem mais das 4:00 horas, talvez já fossem cinco horas, pois, já era possível ver alguns clarões da manhã e sentir o frio da madrugada. Forcei a vista, em um ponto de onde imaginei ter ouvido o barulho. Notei algumas latas vazias, talvez de óleo ou de tinta, alguns pedaços de pano espalhados. Percebi um pé esticado. Foi um alívio, pelo menos não era nenhum ladrão. No máximo algum alcóolatra, talvez, até mesmo, com um cachorro lambendo-lhe a boca. Pensei em me mandar dali, porém a curiosidade que sempre foi bastante acentuada em mim, fez com que me aproximasse, cada passo dado ficava mais surpreendido. Pernas bem torneadas começaram a aparecer. Pernas femininas. Quis até pensar que talvez fosse um adolescente, ainda sem pelos nas pernas, porém, embora escuro, foi possível distingüir. Ela estava semi-nua. Semi-nua e, percebia-se, completamente bêbada.
O barulho que havia ouvido anteriormente foi uma de suas tentativas de se levantar. Não havia conseguido e batido em algumas latas que se espalharam pelo chão. Ao perceber minha presença, tentou reagir, apanhando alguma coisa para me atingir. Porém seu estado era tão deplorável que não pode com o peso de uma lata vazia e tombou a mão sobre seu colo. Tentei falar alguma coisa, mas parecia que ela não queria conversa, sentia dores, pelo que parecia, bastante fortes, pois cada vez que tentava se mexer contraia todos os músculos do rosto.
Apesar da situação, ainda conseguia perceber que além de bonita, seu corpo era bastante sensual, e notei que começava a me sentir ligeiramente excitado. Mas, num momento de lucidez, arranquei minha camisa e coloquei sobre seu púbis, para que pelo menos eu pudesse refletir e pensar como agir dali para frente.
Depois desse gesto, ela percebeu que eu não estava a fim de maltratá-la. Deixou que eu me aproximasse, quando estava bem próximo de seu rosto, vi grandes marcas roxas em seu pescoço, marcas de mordida pelo seu ombro, hematomas próximo ao olho esquerdo; logo mais abaixo, sua blusa estava esticada, deixava ver um de seus seios que também continham alguma marcas.
Perguntei-lhe o que havia acontecido. Nenhuma resposta foi dada, apenas um resmungo, consegui ouvir. Depois disso, até mesmo tentava falar alguma coisa, porém, nada saia de sua garganta a não ser grunhidos que não conseguia entender. Percebi que ela sofria de alguma deficiência vocal.
Me revoltei. Como poderia alguém ter maltratado aquela pessoa deficiente? Como poderia alguém ter, até mesmo, abusado aquela garota que nem mesmo sabia se defender? Quem poderia ter cometido uma injustiça dessas?
Apesar da dor de cabeça que sentia, percebi que ela tentava me dizer algo como se fosse para eu ir embora. Como percebi que já começava a ficar nervosa, por não conseguir se comunicar, e como eu também não estava em um estado muito bom para ajudar em alguma coisa, resolví sair dali. Quando ia me afastando, meio cambaleante, resolvi me apoiar em uma parede e dar uma olhada para trás e percebi, mais uma vez, que a garota estava quase que totalmente nua. Ela havia pegado minha camisa e levado ao rosto, parecendo que queria sentir o meu cheiro. Não entendi nada. Há poucos segundos, ela havia me expulsado de seu lado, agora, cheirava minha camisa? E, pelo que pude perceber de longe, havia um leve sorriso em seus lábios. Balancei a cabeça em uma negativa e continuei andando, tentando lembrar onde era o hotel em que estava hospedado.
Aos poucos, minha mente começava novamente a funcionar. Naquela cidadezinha, sempre me embriagava. Cruzava alguns velhos amigos quando passava por alí e saia para beber. Naquele dia, porém, havia extrapolado. Não me lembrava nem mesmo onde havia começado e nem terminado a noite. Só conseguia lembrar de alguma coisa sobre aquela rua escura que nem mesmo sabia exatamente onde ficava ou como havia ido parar lá.
Consegui chegar ao hotel, na verdade um pulgueiro, embora não gostasse de ficar ali, era o único que havia. A diária, era até mesmo cara pela qualidade que oferecia. Cumprimentei o dono do hotel, um senhor já com seus cinqüênta e tantos anos, até simpático, que já foi logo entregando a chave de meu quarto, sem dizer palavra alguma, e com a cara fechada.
Entrei rápido para meu quarto, uma suíte mal organizada e minúscula, fui para o banheiro, desliguei a chave do chuveiro deixando escorrer água fria, entrei embaixo e comecei a cantarolar um sambinha antigo, de Noel Rosa, quando terminei, meus olhos já não permitiam que eu ficasse acordado. Deitei-me completamente nú sobre a cama e apaguei. Quando consegui despertar, já eram mais de quatro da tarde, percebi que o sol brilhava e que o calor havia feito com que eu transpirasse muito. Mais uma vez corri para o chuveiro. Sai do banho, coloquei uma bermuda, óculos escuros e saí.
Quando cheguei na portaria para entregar a chave, notei que o proprietário do hotel estava com cara de poucos amigos. Perguntei se poderia ajudar em alguma coisa, ele disse que não. Quando já me despedia e me voltava para a rua, ele me chamou de volta. Disse que na verdade estava muito chateado comigo. Disse que de madrugada eu havia estado ali completamente bêbado, com a louquinha da cidade, a mudinha, e queria de todas as maneiras levá-la para meu quarto. Como não havia permitido, eu havia discutido bastante com ele, até mesmo estranhou que eu não soubesse por que estava com aquela cara, depois que saí dali viu-me seguir para a ruazinha escura, onde geralmente os casais da cidade iam namorar.
Dei um sorriso amarelo e saí sem falar nada. Não conseguia encará-lo. Não consegui nem mesmo pedir desculpas pelo meu comportamento. Como poderia ter feito aquilo? Todas aquelas marcas roxas deixadas na garota, toda aquela violência sofrida por ela, haviam sido praticadas por um tremendo patife... Um crápula que eu jamais iria perdoar...

sábado, 17 de setembro de 2005

In Fortúnios causados pela [In]Justiça

E ele saiu da joalheria felicíssimo, pois sim, havia comprado aquelas belas e preciosas jóias que seriam o símbolo da sua nova vida – uma vida de luxo e riqueza. Há muito Evandro já sabia que havia de se tornar um ótimo consultor empresarial. Acabou por sendo um dos melhores no ramo. Mas foram anos de estudo e dedicação para chegar aí; quem conhece Evandro como novo socialite jamais imagina que sua infância se passou num bairro pequeno e humilde, numa casinha de dois cômodos. Pois bem, para alguém que nunca pôde ter nada do que quis, agora ter mais do que nunca quis seria mais do que justo certo? Prossigamos com a narrativa para comprovar:
Evandro levava para o carro a maleta sobrecarregada do mais fino ouro e das mais raras pedras preciosas, mas como um incidente é sempre um incidente, ele se sentiu cercado por vultos. O carro estava estacionado próximo a uma ponte que, naquela noite sombria, parecia ser uma ponte para um outro mundo, ou um caminho onde ele jamais se salvaria de um assalto. Eles estavam em quatro, dois fizeram a vigia, um ficou na cobertura do outro que abordara Evandro.
- Aê playboyzinho , pode passar tudo o que tiver aí!!
Evandro, frustado com a situação, não vigiou seus pensamentos que escaparam em leve e bom tom:
- Colega, é simplesmente inaceitável que após tantos anos pra conseguir me tornar alguém bem-sucedido na vida, eu vá entregar tão fácil o símbolo de minha glória a um qualquer que apenas vai se aproveitar da minha árdua batalha.
Com cara de quem não entendeu muita coisa, e ao mesmo tempo indignado com aquela ousadia, o assaltante não pensou duas vezes: tomou-lhe a maleta das mãos, a entregou ao companheiro, deu-lhe alguns socos no estômago e até pensou em sair de cena, mas seria muito pouco pra alguém com tamanha ousadia tomar apenas alguns socos. Por isso sacou seu revólver e disparou sem dó alguma nos pés e na mão direita de Evandro. A dor era muita, Evandro não conseguia mais sentir nada, o que em breve resultaria em paralisia total dos membros atingidos. Enquanto Evandro tentava se manter calmo para não piorar as coisas, os companheiros discutiam entre si que deveriam deixar o carro, porque este obviamente seria rastreado por satélite, então deveriam voltar em seus próprios carros. Estava tudo pronto pra irem embora, porém antes de dar seu adeus, o agressor de Evandro, com a maleta ainda em mãos, provocou, em tom de zombaria:
- Desculpe, meu colega... mas esses seus troços di ouro vão valer a pena pra uns bagulhos... Eu sei que cê deve tar com raiva, mas passa... – E completou – mas a justiça virá dos céus pra você.
Ele iria começar a gargalhar, mas neste momento, o céu enegrecido guiou um raio na cabeça do agressor. Fatal. Os companheiros assustados correram e fizeram o possível pra não entender o que significava aquilo. Evandro, atordoado, repetia consigo mesmo:
- Sim, a justiça vem dos céus...
Arrastou-se até a maleta caída, e com a mão esquerda que o sustentava, tentou agarrá-la. Por falta de coordenação motora, apenas ajudou pra que a maleta caísse ponte abaixo, até o rio. Evandro vociferava, furioso como um leão, tudo o que lhe vinha na cabeça. Por fim:
- Grande justiça dos céus... Eu trabalhei por isso! A justiça é uma b....
Em seu nervosismo, ele também foi pelo mesmo caminho da mala (...)
No dia seguinte, na parte limpa do rio, um velho mendigo foi buscar a água do dia em sua garrafinha, quando avistou uma pequena mala boiando em um canto da margem do rio. “Comida, espero” – foi o que ele pensou. Mal sabia ele que a justiça dos céus lhe pagaria pelo resto da vida o que ele nunca havia conseguido nela. E talvez isso prove que algumas vezes, injustiças acontecem para que a única e grandiosa Justiça possa se concretizar nas vidas que realmente precisam dela.

Dedicada à minha profesora Lourdes. Espero que gostem. =)

sábado, 10 de setembro de 2005


"Você, meu grande herói, mais poderoso que o inimigo. Você, constante amigo, meu distante companheiro. Você que o tempo inteiro não tem medo do perigo, não."
(Toquinho)

Aquilo foi a gota d'água! Ele já havia se acostumado a perder seu lugar, já estava pensando no resto da sua vidinha que havia pela frente, o mundo é mau e não gosta dele!

E ELE também é mau... criatura odiosa, invejosa, indesejável que chegou neste mundo...Ocupou seu espaço, levou suas coisas, roubou os holofotes todod para sua direção... Mas esta última, certamente, foi o FIM! O que fazer, agora?

Pegá-lo e jogá-lo pelo telhadp? Não muito radical... e ele é pesado pacas! Queimá-lo? Não... nem ele é mau o suficiente pra merecer tal coisa. De qualquer modo, como é que se mexe num fogão? Oras, a melhor solução é sempre fazer valer a sua força!

Primeiro, levanta-se silenciosamente... sorrateiramente, vai-se ao destino... E....

TOMA!

PEGA!

TAPA!

CHORO!

- Mas que gritaria é essa?

- Não sei, mamãe...

- Você bateu no seu irmão de novo?

- Ele tem que aprender a parar de roubar o que é MEU!

- Ele é seu irmão mais novo! E o senhorzinho já está bem velho pra usar chupeta!

sábado, 3 de setembro de 2005

Um dia (a)normal


... e ele entra cambaleando pelo grande salão branco. Sua visão está afetada, não enxerga direito. Entra tropeçando em cadeiras, crianças, bolsas, idosos. Depois de um grande esforço consegue chegar até o balcão, entrando na frente de várias outras pessoas, o que provoca uma grande murmurinho e uma certa indignação. Força a vista para conseguir enxergar a senhora que tranquilamente lê uma revista de fofocas, atrás do tal balcão. O lugar é um hospital, a senhora é a recepcionista e ele é um homem que acabara de levar um tiro.
- Em que posso ser útil? - diz a mulher.
- Minha senhora... acabo de tomar um tiro!
- Muito bem. Por favor, apresente seu CPF e seu RG.
- O que?! Eu não estou com nada disso, acabo de ser assaltado! E ainda por cima levei um tiro! Por favor, me ajude!
- Bem, nesse caso, você vai precisar esperar.
- Mas eu não posso! Se não for atendido logo, vou morrer! Me ajuda!
- Calma, todos os que estão aqui, inclusive aqueles em que você tropeçou ao entrar, também precisam de ajuda. Aguarde.
Atônito, o homem aguarda a recepcionista fazer uma ligação para a direção do hospital. Enquanto isso, ele olha a sua volta, e o que vê não o agrada em nada: crianças tossindo sem parar, velhos ora deitados no chão, ora em macas espalhadas desordenadamente, quase implorando por ajuda. Mulheres desesperadas pela falta de atendimento, e ambulâncias chegando trazendo as vitimas de um acidente, ou de um incidente, ou de uma vida em cidades onde ninguém mais se sente seguro, como ele. Nota que toda aquela gente destoa do branco vivo do salão. Mesmo com a dor que sentia, ainda conseguiu ter um pouco de indignação com tudo aquilo. Logo, a mulher volta a ele:
- Olha, a gente não pode atender quando não se traz documento. Mas vamos quebrar o seu galho. Você pelo menos trouxe a sua carteira de trabalho?
- Já disse! Não tenho documentos! E por que eu andaria com minha carteira de trabalho no bolso, minha senhora?!
A fila começa a ficar irritada com a demora. Gritam por mais agilidade para atender o tal homem. Uma enfermeira aparece e acalma a todos. Continuam os dois:
- Tudo bem. Você vai ser atendido assim mesmo. Mas não se esqueça: assim que terminar lá dentro, traga o seu CPF, seu RG, sua carteira de trabalho, sua certidão de nascimento, um comprovante de residência, comprovante de renda, CNH e se quiser, cinco reais para contribuir com a melhora do atendimento.
- Okay, mas anda logo, me deixa entrar!
O sangue que saia de seu ferimento já havia encharcado sua roupa, e sua visão ficava cada vez mais turva. Ele mal conseguia enxergar quando ela disse:
- Pegue sua senha e aguarde.
- ?!?!?!
- Meu amigo, todos aqui querem atendimento. Tá pensando o que? Isso aqui é hospital público, meu chapa! Não tem privilégio não! Agora, pegue a droga da sua senha, sente-se em algum canto e aguarde!
- Mas...
- Próximo!