sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

sonhos sonhos são


HORIZONTE ESCURO SE AVIZINHA. Procuro sua mão, não encontro. Coração em disparada. Lembro-me de Geraldo Vandré, perambulando louco pelas praças de São Paulo, depois de tanto pau-de-arara. Nem tudo são flores. O tempo voa, já diria um poeta futuro. A voz da aeromoça no alto-falante avisa que pousaremos para escala em questão de minutos. “Ponham os cintos, por favor”. Então me lembro de onde estou. Horizonte escuro. Sobre algum país da América Latina. Um frio percorre a espinha. Então temo pelos oprimidos hermanos. Meu país fictício não passa de uma ilha nesse universo em castelhano. Estará o aeroporto tomado por guerrilheiros? Ou militares? Não importa. Quase sempre é a mesma merda. No fundo, no fundo, toda luta é pelo poder. Por mais poder. Procuro respostas, nada. Já está tudo escrito. Em algum lugar. Talvez seja destino, esse que nos une em vôo cego. A palma da tua mão não tem linhas. E nunca sei por onde você anda. “Cuidado, qualquer esquina é um perigo!”. Inquieto, me remexo. Despejo pragas numa língua estrangeira por algum incômodo momentâneo. Não sei mais que língua é essa. Nem sei o que tenho falado. Procuro ser ouvido, esforço em vão. Meu passo trôpego denuncia uísque em excesso. O cachorro engarrafado do Vinícius. Embevecido por uma beleza quase platônica, conduzo-lhe pelo Muro das Lamentações, pela Muralha da China, pelas moradas dos faraós embalsamados. Encalacrado, reteso-me ao tentar sair desse turbilhão de sensações. Força inútil. Cantarolo uma canção do Chico, pra disfarçar o nervosismo: “Que sonho é esse de que não se sai / E em que se vai trocando as pernas / E se cai e se levanta noutro sonho”. Quando foi mesmo que comecei a ouvir Chico Buarque? Já nem me lembro. Talvez na época dos movimentos estudantis. Quando lhe conheci. Tínhamos o sonho de mudar o Brasil. E fazíamos planos, vários planos. Mas o país mudou pra pior. Então fotografo mais uma vez o horizonte escuro. Na turbulência, sinto e sei que é sonho. Não porque me vejo livre. Não porque nosso avião parece rumar a um lugar seguro. Mas porque na verdade você já não me quer. E pra ser mais correto, você nunca existiu. Foi só desejo. Abro os olhos. “Escuro aqui fora”. O mundo é sempre mais leve nos sonhos. A madrugada ainda nem chegou, quando o carcereiro conta entre grades que a Lei da Anistia foi sancionada naquela tarde de agosto. Talvez seja sonho. Mas é sempre bom voltar. Não importa de onde.


wallace puosso

sábado, 14 de janeiro de 2006


foto: www.fisher-price.com - alterada por Tom
"I want you, I want you, I want you... I think you know by now... I'll get to you somehow. Until I do I'm telling you so you'll understand."
(John Lennon, Paul McCartney)

Ô, meu bebê...

Como eu adoro te ver assim... ressonando, tranqüilo e sereno... é muito mais do que qualquer coisa que eu poderia imaginar ou querer da minha vida.

A partir de agora, seremos nós três. E você crescerá alegre, confiante e com saúde. Farei o máximo que puder para ser seu herói. Brincaremos muito juntos, e irei querer sempre saber do seu dia.

Você fará muitos amigos, será uma criança muito querida! Todos gostarão de você, todos irão querer ser como você.

Crescerá... entrará na adolescência... mas não nos afastaremos como tantos pais e filhos por aí. Você certamente se lebrará do velho aqui sempre! Faremos programas novos juntos. Poderei lhe ajudar em outros aspectos da sua vida, que não existiam em sua infância. Afinal, também já terei sido jovem.

Estarei sempre ao seu lado nas notas baixas, para lhe ajudar a melhorá-las; nas decepções amorosas, para mostrar que há vários peixes no mar e todo pescador tem o seu dia; em suas lutas diárias, para lhe aconselhar quando me aprouver e lhe aplaudir a cada vitória, ou mesmo derrota - o aplauso vai sempre para a tentativa.

Irá entrar na idade adulta. Vestibular, faculdade, seus primeiros passos realmente longe de mim. terei imenso orgulho de vê-lo seguindo fielmente os ideais que conquistar na sua juventude, sem deixar que a tão chamada "realidade" lhe tire todo o vigor necessário para a luta. Vibrarei quando conseguir o seu emprego, com todo o seu suor e garra. Encontrará o seu par. E logo, você estará aqui, no meu lugar.

Sim, no meu lugar. Exatamente aqui, nesta janela da maternidade, a olhar para um lindo bebê numa incubadora, esperando ansiosamente pelo dia em que poderá levá-lo para casa em seus braços... E eu estarei ao seu lado, para dizer "é tão lindo como o avô", do mesmo jeito que o seu avô fez hoje com você.

sábado, 7 de janeiro de 2006

Oi.
Como sou o primeiro a escrever neste novo ano, exponho aqui também as novas mudanças em nosso projeto. A partir de hoje, escreveremos não por um tema mensal, mas sim por um tema novo a cada primeiro sabado do mês. Por exemplo, hoje eu abro o mês com um tema que eu escolhi, e os outros escreverão sobre este tema até o primeiro sábado do próximo mês, quando quem escrever neste dia escolherá o tema do mês. E assim por diante.
Comemoramos também a eleição realizada no weblog Under Pressure, que apontou por maioria de votos este projeto como o melhor blog de crônicas de 2005, o que nos honra muito; além de ter nosso cronista Felipe Policarpo, que venceu por maioria absoluta o pleito para melhor cronista em blog (ver o discurso dele aqui) Agradecemos a todos aqueles que votaram em nós, essa eleição foi muito importante para que o nosso projto ganhasse mais vida.
Portanto, sejam todos bem vindos ao Escrevinhadores 2006.


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O grande livro azul dos sonhos




Já se foi o tempo em que se dizia que cada cabeça era um mundo. Hoje em dia, cada cabeça é apenas parte de alguma estatística inútil e sem sentido. Será que nós perdemos a nossa capacidade de sonhar? Como podemos deixar nossos sonhos, nossas vontades para trás por qualquer motivo fútil... seja ele dinheiro, alavanca social, emprego melhor remunerado... claro que tudo isso não deixa de ser importante, afinal ninguém vive sem isso. Mas há agora aquele momento saudosista, em que nos lembramos de quando éramos mais jovens e tínhamos o desejo de nos tornarmos médicos, bombeiros, engenheiros, músicos, cineastas... toda essa época passa quando crescemos, mas ainda há pessoas que mantém vivos os seus sonhos...

Jonas nasceu no interior de São Paulo. Filho de pai ausente (trabalhava para uma estatal, e vivia viajando - foi criado pela mãe), tinha em seus irmãos o seu refúgio. Era com seus três irmãos mais velhos do que ele que Jonas conversava e brincava, desde que aprendeu a falar, andar e correr. Quando completou seus dez anos de idade, ganhou de presente uma câmera, daquelas pequenas, caseiras. Ao bater os olhos no aparelho pela primeira vez, descobriu aquilo que muita gente adulta ainda não sabe: o que queria ser quando crescesse. Decidiu: queria fazer filmes.

O tempo foi passando, e Jonas foi crescendo. A faculdade de cinema para ele virou obsessão. Seu professor de história, no colegial, disse que se ele fizesse cinema ele morreria de fome. Enquanto ele tinha seus devaneios, seu pai (agora aposentado) implorava para ele arrumar um emprego de verdade e esquecer dessa história - fazer cinema no Brasil não dava lucro, dizia ele - mas Jonas continuava firme e forte. E quando completou dezenove anos, cometeu a sua primeira loucura, em nome da sua vontade: pegou o pouco dinheiro que tinha e montou um pequeno negócio de filmagens. Com apenas uma câmera e cheio de idéias, passou para a prática tudo aquilo que aprendeu vendo Spielberg, Buñuel, Kubrick, Scorsese, entre tantos outros que povoaram a cabeça do ex-menino. Contra tudo e contra todos, as coisas começam a dar certo, e ele se muda para São Paulo para ingressar na faculdade.

Alguns anos se passam. Jonas passou por maus bocados, passou dificuldades, seu pequeno negócio não existe mais. Seu pai nem seus irmãos não o ajudam, não acreditam no sonho dele. Mas com muita força de vontade, ele pega seu diploma, procura emprego por dois anos e consegue um estágio. Logo, passa a ser contra-regra, depois auxiliar de produtor, depois produtor e finalmente diretor. Volta para a casa, bem-sucedido na vida. Olha para os pais e irmãos, que agora estão orgulhosos de sua vitória sobre os males que a vida lhe impôs para que chegasse ao seu destino. Um repórter do jornal local vem ao seu encontro para uma entrevista com o filho ilustre da cidade. Ao ser perguntado sobre o que falta em sua vida, Jonas, um garoto que não poderia esperar nada da vida a não ser ver a vida passar lentamente mas escolheu seus próprios caminhos, respondeu na hora:

- Para mim não falta mais nada. Falta para os outros. Falta uma cabeça mais aberta, mais livre, falta esperança. Falta aquilo que há muito tempo não se vê: falta às nossas crianças, aos nossos jovens e até aos adultos um pouco a mais de sonhos. Enquanto hoje se vive uma onda de conformismo, eu continuei lutando por aquilo que desejei desde os dez anos. É isso que falta. Cada um de nós é um universo cheio de possibilidades. Falta apenas descobrir.



*baseado em uma história real que ainda não acabou.