sábado, 26 de agosto de 2006


foto: http://www.squeep.com/
“We will always be together forever as one...”
(DJ Danski, Delmundo)


- A.!!!

- Oi, B.!

- Você pode brincar? A turma toda tá indo pra pracinha!

- Vou perguntar pra minha mãe. Ela tá meio braba comigo porque eu joguei bola dentro de casa.

- Quer que eu vá pedir por você?

- Não, B.. Vai lá! Se minha mãe deixar, eu vou.

- Tá certo, então! Vejo você lá, certo?



Olá, menina C.!


Sim, eu sou muito amigo de sua mãe B.! Há um bom tempo que ela e eu não nos escrevemos, não sabia que ela já tinha uma menina! Posso apostar que você é tão bonita quanto a sua mãe, acertei?


Como está a sua mãe? Espero que muito bem! Se puder, diga a ela que não esqueça dos amigos aqui em ..., certo? Diga que estamos todos com muitas saudades e esperando as suas cartas espirituosas.


E você, C.? Se diverte muito com as suas bonecas? Ou prefere brincar com bolas e carrinhos como as meninas de hoje em dia? Sabe, eu também tenho um filho, o nome dele é D.. Acho que vocês poderão ser grandes amigos, caso se encontrem por aqui, ou até em alguma visita que possamos fazer aí, caso não haja problema!


Bem, mande um beijo grande pra sua mãe, certo?


Um beijinho para você!


A.




---------- Original message ----------
From: A <$$$-#####@_______.com>
Date: dd/mm/aaaa hh:mm
Subject: Olá!
To: _________@_____.com

Olá, garotinha E.!

Fico muito feliz em saber que você é neta da B.! Somos grandes amigos desde a infância, será bom ter contato com ela através de você!

Sabe, eu também tenho um netinho, o nome dele é F.. Acho que vocês dois podem se dar muito bem!
Ele irá se mudar com os pais para a sua cidade. Quem sabe vocês não se encontram e se tornam grandes amigos, assim como sua avó e eu?

Mande um beijo bem grande para ela, está certo?
Um beijinho para você,

A.

terça-feira, 22 de agosto de 2006


o h i a t o e n t r e a s p a l a v r a s
Como a caneta busca papel e palavras completam espaços em branco, como a voz dá cor à espera, discursos comovem e arrancam aplausos. Como a língua busca o beijo e o beijo cala a palavra vã, o sacerdote se esquiva da dúvida para sustentar a fé de um séqüito de céticos ávidos pelo paraíso virtual.

Todo fanático sabe.

Impor: pelo medo, pelo credo, pelo beijo, pelo desejo, pelo certo e pelo errado.

Como a guerra sustenta o generalato, a galopada corta o vento enraizado rumo ao leste.

Como um sorriso que esconda em si a maldade que o tempo usurpou, como a agulha busca a veia, a raiva toma o lutador. De um cano a bala parte e o ponto cego ofusca olhos que não olham nada.

Visões desfocadas pelo belo e o medo do incerto.

Como a mentira toma pra si o teor das trevas e toda confissão precede a sentença ainda que tardia e mesmo que falhe. A dúvida precede a confiança, que é o que deve ficar depois de tudo.

Depois de tudo.

Intermitentes presságios a martelar a consciência, orações que buscam respostas, respostas sem perguntas, o jogador que na sorte aposta, o amor daquilo que não se gosta, o silêncio entre as canções, busco o hiato entra as palavras.
wallace puosso

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Um enfarto do coração, um daqueles quase fulminantes, que não dão chance nem da pessoa sentir dor. O sujeito cai, no meio-fio, com apenas um grito abafado de dor. Ninguém o ajuda imediatamente. Pudera, não havia ninguém na rua. Ele cai, morto. Seria o fim. Seria mesmo?

Acham o corpo frio e sem vida algumas horas depois. Ao invés de levarem para o caminho antes natural, o IML, o levam para o hospital, aonde antigamente se tratavam somente pessoas vivas. Depois que um cientista (provavelmente europeu) revolucionou alguns aspectos da medicina, os hospitais recebem pessoas vivas e mortas também. E, por mais incrível que isso possa parecer, todas elas saem saudáveis e bem-dispostas do prédio.

O tal homem enfartado é levado para uma sala de operações. Abrem-lhe o peito, implantam em seu coração um chip que dá impulsos elétricos no músculo coronário, e faz com que seu coração volte a bater, quase que magicamente. Alguns dias depois, o homemque deveria estardebaixo de sete palmos de terra sai tranqüilamente porta afora, com a garantia médica de que ao menor sinal de morte eminente, o chip avisará o hospital, que entrará em contato com ele, para impedir o chato inconveniente de morrer novamente no meio da rua. Até onde o homem deve brincar de ser Deus?

**

- Preciso comprar um rim, um coração e um pâncreas.
- Mas afinal, pra que você quer um pâncreas?
- O meu está dando sinais de cansaço, acho que tá na hora de trocar.
- Ah, tá. Então tá. Se acha necessário... aliás, nunca achei o pâncreas necessário.
- Você por acaso sabe pra que serve o pâncreas?
- Não faço a menor idéia. Sei que o temos, e sei que o seu está defeituoso.
- Eu também não sei. Sabia, o médico havia me explicado da primeira vez que eu o troquei. Mas, para mim, ele serve só pra doer e dar câncer.
- Realmente... mas você acha que seu coração necessita de troca? Faz quanto tempo que você colocou esse coração artificial que você usa? Uns 60 anos?
- Que é isso, tá me chamando de velho? Faz uns 40 anos, somente. Troquei quando fiz 80.
- Há! Então tá na hora de trocar. E o rim, han? Você lembra da época em quese precisava ficar dependurado numa máquina imensa, do tamanho de uma parede, parafiltrar o sangue,para não morrer?
- Mal me lembro. Mas devemos agradecer a Deus pela tecnologia alcançada.

**

Teu cachorro abana o rabo com displicência. Olha para você com aquele olharde cachorro sem dono. Pede comida. Rola, finge de morto. Corre pra lá e pra cá como uma besta desembestada. Isso quando não está lendo jornal, ou conversando sobre política econômica ou a taxa básica de juros com você. O cachorro, feito de aço e microchips por dentro e com uma aparência mais do que normal por fora, conversa com você, passa sua roupa, come com garfo e faca, atende telefone, além de urinar no seu tapete e correr atrás do próprio rabo. Depois que inventaram essa nova tecnologia, nunca mais as coisas foram as mesmas. Tudo mudou. A vida mudou. As pessoas não morrem mais, demoram a envelhecer, e tem cachorros eletrônicos. Ao ver um desses exemplares, um velho senhor saudoso das épocas passadas pensa em como o homem gosta de brincar de deus.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006


Novidades e urubuzadas


Assistir o lançamento do foguete com a nave Apolo 11 na TV (preto e branco) do vizinho de frente da casa foi uma emoção indescritível. Quando ouviu dizer que o homem havia chegado à lua então, foi um alvoroço total.
- É mentira! Dizia Fio, um garoto, alguns anos mais velho, metido a saber de tudo.
Ao mesmo tempo que discutia, tragava seu Continental, sem filtro e cuspia insistentemente no chão.
No auge de sua curiosidade, Pedro ficava procurando ouvir tudo o que os garotos mais velho discutiam.
Uns defendiam que era tudo verdade, que os Yankees haviam finalmente chegado à lua, outros, que não, que era tudo montagem, que foi filmado em um deserto qualquer ou em um estúdio de cinema, afinal areia existia em qualquer lugar. Até hoje, ninguém sabe dizer se o homem chegou ou não à lua.
Mas, Pedro foi crescendo e procurando descobrir o que era verdade e o que era mentira e foi percebendo que em tudo o que era novidade, sempre existiam os que defendiam e os que achavam tudo aquilo uma bobagem passageira.
Foi assim quando pela primeira vez começou a filmar com uma câmera de um amigo, em super 8mm. Logo vinha aquele seu velho amigo dizendo que aquilo “é uma besteira, a revelação é caríssima. Além disso, para colocar som, ainda precisava que o estúdio de revelação abra a banda magnética para gravar posteriormente. O investimento não vale o resultado”. Pedro nem ligava e ficava ansioso esperando os rolos de filme chegarem para poder assistir uma imagem meio tremida, porém, era ele que estava realizando a maravilha do cinema. Era isso que importava. Percebeu também que era sempre a mesma pessoa que tinha uma palavra negativa para dar sobre toda e qualquer tecnologia que aparecesse no mercado. Assim foi em relação à TV colorida, ao vídeo-cassete e outras novidades da modernidade. Fio, sempre vinha dizer que a TV colorida poderia causar esterilidade, o vídeo-cassete iria acabar com a sétima-arte, e blá, blá, blá... Para tudo ele tinha que dar um palpite... E errava sempre... Era uma pessoa que via em tudo o apocalipse, porém, suas previsões nunca se comprovavam e quando questionado, sempre dava um jeito de achar uma outra “profecia”. Era do tipo “mentiroso” compulsivo. Sempre inventava alguma coisa para encobrir o que havia falado anteriormente.
Quando Pedro comprou seu primeiro computador, saiu contando para todo mundo. Seus amigos ficaram encantados com a novidade, pois, era um dos primeiros a aparecer por ali. Todo mundo queria escrever seu nome e imprimir em “letras grandes” na impressora matricial de 9 agulhas. Era um Apple, uma maravilha da micro-tecnologia.
Um dia, Pedro estava se esforçando para tentar resolver um probleminha em um programa que tentava fazer no computador e aparece Fio na porta de seu escritório.
Pedro leva um susto e diz:
- Ah! Não! Querer contestar que computador é uma boa coisa eu não admito!
- Calma! Não vim contestar nada, não. É que a turma toda estava falando de seu computador, que eu acabei querendo conhecer e saber como funciona. Aliás, quero até que você faça um cartaz com meu nome pra eu botar na porta de meu quarto. Pelo que já vi na TV e nas revistas sobre computador tenho que dar meu braço a torcer: essa é a tecnologia do futuro. Inclusive, vi alguma coisa que é muito difícil uma máquina dessa dar um defeito...
Fio nem terminou de falar. Um barulho surdo se fez ouvir na sala. A tela de um verde luminoso tornou-se um verde-escuro, sem vida.
Pedro berrou um palavrão e mandou Fio se retirar.
- Cai fora daqui, seu urubulino. É a primeira vez que você concordou com alguma coisa e pifou meu computador. Vai ser negativo assim no quinto dos infernos. Pelamordedeus!!! Fio saiu, o mais rápido possível. Acendeu um Holllywood e foi pela calçada à fora. Cuspindo insistentemente no chão, sem entender muito aquela história.