quinta-feira, 1 de dezembro de 2005


cartas sem resposta


SEMPRE QUE O NATAL SE APROXIMA, Javier fica triste. Pensa nas crianças mortas pela fome, nos mais velhos, nos que dão vida ao vão dos viadutos, nos que estão nus da alma pra baixo. Pensa naqueles que tem vontade e não podem, nos que ainda querem ser alguém. Pensa – afinal de contas – que o mundo é injusto e não há muito que se fazer quanto a isso.
Quando pequeno, Javier escrevia cartas ao Papai Noel. Até que um dia se cansou. As respostas nunca chegaram.
Javier nunca mais escreveu pra ninguém. Cartas. Telegramas. Cartões-postais.
O endereço continua o mesmo. Ele mora na mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma rua desde muito tempo. Nem saberia dizer quanto.
Sua casa fica no final da rua, uma casinha meio sem graça, com a pintura gasta, a cerca quebrada, o portão enferrujado. E mato juntando no quintal.
Todos os dias, ele busca ocupação pelas outras ruas da cidade. Busca trabalho pra ocupar o tempo e não ficar em casa pensando em crianças mortas pela fome e coisa e tal.
Não há mais vagas –dizem – pra quem já passou dos cinquenta.
Então, pelo oitavo ano seguido só lhe sobra um tipo de trabalho: ser papai noel.
Então, pelo oitavo ano seguido, sem outra opção, ele veste aquela roupa abafada, cola aquela barba na cara, treina um ho-ho na frente do espelho enquanto escova os dentes e se dirige ao centro comercial da cidade.
Lá, passa horas conversando com crianças, muitas crianças. Enquanto os pais fazem compras.
E Javier fica triste. Ainda mais triste. Não por ser papai noel, mas por ver que entre aquele formigueiro de gente indo e vindo, num consumismo desenfreado e sem lógica, os únicos olhos, sorrisos e pedidos sinceros são daquelas crianças, que depositam nele, Javier/papai noel seus sonhos e esperanças.
O que elas têm de mais belo e puro.
E seus olhos lacrimejam por pensar que as pessoas não dão a mínima para o significado do natal. Mas ele sabe que, apesar de tudo, nunca se deve enganar as crianças.
Javier fica triste, mas sorri por fora. Um sorriso sem promessas. Como cartas que jamais terão respostas.
E todas as noites assim que o expediente termina, ele se despede sorridente de todos e volta solitário para casa.
E pensa que o mundo poderia ser um pouco melhor se fosse da maneira como as crianças imaginam.
Ele ainda é capaz de sentir sensações diversas, rir, chorar, se emocionar.
Mas não consegue ver o natal como as pessoas vêem.
Às vezes, sorrir é a melhor maneira de chorar.

wallace puosso

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bonito o texto, Wallace. Realmente é triste os tempos ne Natal. Pensamos em tudo.
Mas sorrisos cobrindo lagrimas. Gargalhadas disfarçando os soluços.
São necessários e sempre haverão.
Poderiamos ser mais simceros, mas faz parte.
beijos... Ana Clara

Anônimo disse...

Isso me lembra que não gosto muito do Natal... nunca acreditei em Papai Noel... creio que ainda não consegi vivenciar realmente o Nascimento de Cristo, mas não quero que meus filhos sejam como eu - isso implica em uma mudança interna, urgente.
Grande abraço, e bem-vindo, companheiro Puosso!