quarta-feira, 7 de dezembro de 2005





These are Days of our Lives
(microconto de Natal)

"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.
Porque se você parar pra pensar, na verdade não há."
R. Russo / M. Bonfá/ D. V. Lobos, "Pais e Filhos"


Ernesto levou seu filho que tanto queria ver o Papai Noel. O moleque - chamado carinhosamente de Dudu - esperneou a semana toda para ver aquele homem vestido com uma roupa vermelha, barba (quem sabe falsa) e gorro com um pedaço de... como se chama aquilo mesmo? Ah, lembrei. Algodão. Então... com o tal gorro com o tal algodão branco na ponta. O bom velhinho havia chegado numa quinta ensolarada, de helicóptero, no único shopping da cidade. E desde então Dudu gritou e bateu o pé, exigindo que seu pai o levasse. Ninguém alí sabia, mas suas vidas seriam mudadas. A de Ernesto, a de Dudu e até a do Papai Noel.

Júlio era aposentado, e para garantir os bicos do fim de ano, resistiu a tentação de uma dieta, deixou a barba crescer, passou a usar o óculos e venceu (em partes) o seu terrível medo de altura, para poder andar de helicoptero todo fim de ano. Ele era o Papai Noel, mesmo achando toda aquela festa um tanto quanto macambúzia, sorumbática e meditabunda. Fazia a alegria das crianças durante um mês. Pena que não conseguia fazer a dele. Separado há algum tempo, sempre sofreu calado com por conta da indiferença com que tratava o seu filho, quando ainda era casado. E quando finalmente os laços matrimoniais finalmente se desataram, a consciência pesou, a barriga aumentou, a barba cresceu e alí estava ele.

A hora havia chegado. Ernesto esperava fora do perímetro da fila, olhando as vitrines com a amargura de quem está sem emprego, e sem perspectivas de dar um presente decente ao filho. Enquanto isso, Dudu caminhava para a felicidade, nem que fosse por apenas cinco minutos. Ele sentara no colo de Júlio - ou melhore seria chamá-lo de Papai Noel? - que estava completamente mal-humorado naquele dia. Estava alí faziam três horas e meia, já não aguentava mais ouvir "Quero uma bicicleta", "Quero um patinete", "Quero um AUDI", ou qualquer coisa assim. Já estava farto, e pensava seriamente em deixar aquela vida e viver tranqüilo fora dos shoppings e da roupa extremamente quente que vestia naquela ocasião.

E então, Dudu sentou-se no colo de Júlio-Papai Noel. E transcrevo aqui a conversa dos dois.
(Não que eu os conheça. Sou apenas um narrador. Eu ouvi essa história porque o tio do vizinho do meu amigo contou para a avó dele, que contou para a tia da sua vizinha, que falou para a empregada dela, que por sua vez passou para o seu marido, que espalhou pelo escritório, de onde o meu irmão ouviu, me contou e eu estou contando para vocês)

- Fala.
- Oi.
- Fale - disse, emburrado.
- Sabia que eu sempre quis ver o senhor de perto?
- Você e a torcida do Flamengo. Diga o que quer. Tem mais gente esperando.
O menino o olha com os olhos de quem está encantado. Papai Noel apressa:
- Garoto, faça o seu pedido. Não tenho o dia todo.
- Aaah. Tudo bem.
Silêncio.
- E então?
- Eu queria uma arma.
- O que??? Porque quer uma arma? Ficou louco???- espantou-se Julio.
- Uma arma sim. Ouvi meu pai falar com minha mãe que a situação está dificil. Ele desejou ter uma arma. Sabe, meu pai tá sem emprego, minha mãe só faz lavar roupa. E eu não trabalho. Tenho sete anos. Meu pai falou que se tivesse uma arma, ele mudaria tudo. Queria poder ajudar eles. Quero uma arma.
Completamente abismado, Julio disse:
- Caramba... você sabe que não pode pedir isso? Você ainda é menino, não entendeu o que seu pai quis dizer. Não peça a arma. Por favor.
Os olhos de Dudu lacrimejam. E todos sabem que criança lacrimejando corta qualquer tipo de coração. Julio o olhou, desconcertado.
- Não...eeh...unft... não posso te dar isso. Escolha outra coisa.
- Não posso. Prometi para Deus que ajudaria eles. E vou ajudar.
- Tira isso da cabeça moleque! Pare! Isso não vai ajudar em nada! Quer matar os seus pais? Quer?? Porque quer fazer isso com eles?
Silêncio.
- Quero que eles sejam felizes. Quero a arma porque os amo demais para não ajudar.
- ...
E Dudu foi embora.

Dias depois, Ernesto achou um emprego. Ganhou um adiantamento, abasteceu a dispensa e deu um presente que seu filho sempre quis: um autorama novinho em folha. Ele nunca soube do pedido do filho para o Papai Noel.
Dudu tirou a idéia da arma da cabeça. Não iria precisar mais dela. Finalmente, sua familia estava feliz, e ele também. E viveram em paz.

Alguns dias depois, há exatamente 204 quilômetros dalí, Júlio desembarca na cidade onde sua ex-esposa e seu filho vivem.
Decidido a tirar o tempo perdido.
-----
*O autor deste conto pede desculpas pela simplicidade do mesmo, mas aproveita para desejar sinceros votos de um feliz natal, cheio de paz e de prosperidade para todos os leitores e para os companheiros deste projeto. E deseja parabenizar a Felipe Policarpo a indicação ao OmniCam 2005, na categoria "melhor cronista", e no mesmo prêmio, este blog foi indicado a "melhor blog de crônicas". Boa sorte.

5 comentários:

Anônimo disse...

Pô, que lindo!...
Isso é que é sensibilidade infantil...

Marco disse...

Parabéns! Vim visitar este blog para votar no prêmio OMNICAM 2005. Gostei muito do que li.

Anônimo disse...

Olá meninos... Parabéns pelo blog está cada vez mais lindo e mais gostoso de ler.. Bem vim avisar que já está linkado na cdb assim como apresentado nos novos..
Beijinhos fadais e sucesso a vcs.

Anônimo disse...

Olá, Luiz.

Este texto tem uma interpretação bem pessoal... Não sei quais seus sentimentos ao escrevê-lo, mas a simplicidade dele já me basta e a mensagem que me passou ao lê-lo!

Desejo muita sorte ao trabalho de vocês.

Continuem com essa qualidade literária!

Abraço!

Anônimo disse...

vim te desejar boas vindas...faço parte do cdb e aproveitar e te desejar uma otima semana...abraços!