quarta-feira, 7 de junho de 2006

O Milagre





O Carlos tinha uma paixão danada por futebol, em especial pela Seleção Brasileira. Adorava as épocas de Copa, como essa em que estamos agora. No alto dos seus 68 anos de idade, acompanhava com paixão desmedida todas as partidas em que o Brasil jogava, e se sentia o próprio décimo-segundo jogador.

Sua vida era dedicada ao futebol, a torcer pelo seu time de coração. Claro que, enquanto a seleção verde-amarela não estava em campo, ele tinha o seu clube de coração, e esse era o Corinthians. Falando em coração, o Carlos era cardíaco até a ultima aorta, o que fazia com que cada jogo disputado pela Seleção e/ou Corinthians fosse, além de uma grande diversão (ou discussão, dependendo do resultado), uma série de preocupações aos seus amigos, que sempre o acompanhava nos barzinhos onde se tinha a maior concentração de torcedores.

O que nenhum desses amigos do Carlos sabiam (mas eu sabia, porque alguém lá da família dele me contou, mas não vou passar essa informação a vocês, sinto muito, porque nunca é bom ficar falando as fontes por aí sem pedir permissão, não é mesmo?) é que ele tinha um sonho. Conhecer o maior jogador de todos os tempos, para ele. Mane Garrincha. Carlos vivia suspirando pelos cantos, dizendo maravilhas do “anjo das pernas tortas”, que ele era isso, que ele era aquilo. Os companheiros leais de Carlos já nem davam mais atenção quando ele falava daquela partida em que o Garrincha pegava a bola no meio-de-campo, passava por três zagueiros, enganava o goleiro com um jogo de corpo e fazia o gol com a maior facilidade do mundo, como se ele sempre tivesse feito aquilo, como brincadeira. Ele nem lembrava mais qual jogo era, qual time era o adversário, mas se lembrava daquela jogada. E suspirava pelos cantos, o fanático Carlos...

Pois bem: na última Copa, o Carlos estava afoito. Queria porque queria ver a final do Brasil contra a Alemanha lá da casa dele, porque estranhamente ele queria ter privacidade para vibrar com o jogo. Seus colegas de bar (e de vida) estranharam bastante, mas aceitaram. E ele ficou sozinho. Melhor, sozinho não: ele e a TV. Na verdade, ele e mais 140 milhões de brasileiros (isso incluindo aqueles que não gostam de futebol, mas adoram uma festinha de comemoração, pelo menos).

Era madrugada. O jogo havia começado, e estava empatado sem gols. Carlos, com uma desbotada camisa da campanha do Tricampeonato (escrito assim mesmo, em maiúscula, como o velho fanático sempre passou para o papel sempre fazia), sofria sentado em seu sofá. Agonia. Agonia. Agonia... eis que de repente, Ronaldo avança (Carlos levanta), chuta (Carlos avança), o goleiro alemão rebate (Carlos avança mais), o mesmo pega o rebote e...

Stop. Foi bem aí que o Carlos teve uma pontada no peito e viu tudo escurecer por um segundo.

Quando recobra a consciência que perdeu por milésimos de segundo no apagão em seu corpo, ele se vê estirado no chão de sua pequena sala. Levanta-se, olha a TV. A imagem estava congelada no exato instante em que a bola passava pela linha que separa o grito de gol do resto do jogo. Assustado, olha para os lados. Nada vê. De repente, a imagem na televisão some, e um clarão saído do aparelho toma conta do lugar. Carlos, com muito esforço, consegue enxergar o que está acontecendo dentro de seu aparelho televisor: no lugar das imagens do jogo, um estádio completamente lotado de pessoas vestindo verde e amarelo, mas com apenas um jogador no meio do campo. Logo, o fã reconhece o seu ídolo: quem está ali parado no campo é Mane Garrincha. Emocionado, Carlos ameaça sentar-se novamente em seu sofá quando ouve o eterno craque chamar seu nome. Atordoado, olha para os lados para ver se não é nenhum engano, mas Garrincha o chama novamente, e faz um gesto para que ele entre no campo. O velho dá alguns passos em direção a sua televisão, e logo a luz branca consome novamente o quarto, voltando para a TV e levando Carlos junto consigo.

O corpo de Carlos foi encontrado na manhã daquele dia, pelos mesmos amigos que o deixaram lá no meio dessa história. Enfartado. Provavelmente por conta da emoção do gol do Brasil. Carlos morreu como viveu: vibrando.
(Como eu sei de tudo isso? Ora, meus amigos, não preciso ser psicografista, nem vidente nem médium. A gente sabe que foi assim e pronto. Para quem não acredita, os dois últimos parágrafos são pura tolice. Mas, para aqueles que acreditam que quanto mais se deseja uma coisa, ela acontece, ah!, tenham certeza: essa história é a mais pura verdade. E tenho dito.)

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal a história. Futebol e misticismo. Uma bela mistura... Se é verdade eu não sei, mas que é boa a história, isso é...

Anônimo disse...

hehehe... curti... é importante sempre manter o bom humor, não é mesmo? Então essa história é deverdade... sei... rs... Abração!!!

Anônimo disse...

Um sonho é sempre um sonho se não se põe em prática, caso contrário um sonho é por pouco tempo apenas anseio e, para alguns, até loucura, mas depois do pouco tempo ele se revela o que realmente é: um milagre. Um milagre.

Anônimo disse...

Pelo menos, o gol foi do Brasil... já pensou se fosse da Alemanha, que desgraça?