quarta-feira, 8 de maio de 2013

De novo, não!


Vivemos em um mundo muito moderno, onde as crianças já nascem praticamente sabendo como lidar com um telefone do mais avançado, ligar a tevê de alta resolução sem precisar pedir para os pais, navegar pela internet com desenvoltura invejável. É natural – cada um aprende a se virar de acordo com a sua época. Por isso que sabemos que aquelas pessoas que nasceram há muitas décadas atrás não fazem a menor ideia de como lidar com as modernidades atuais, e isso também é perfeitamente natural até que esses senhores e senhoras se encontram numa situação da qual não é possível fugir. Pode acontecer com qualquer um, inclusive com você que está lendo isso agora, daqui a alguns anos. Nunca se sabe, portanto não se ria, ora essa.

Vejamos o caso da Dona Lila. Senhorinha de setenta e poucos anos, baixinha, pele enrugada e com aquelas manchas características de senhorinhas de setenta e poucos anos. Seus longos cabelos grisalhos davam-lhe o ar de respeito, juntamente com seu óculos de aro pequeno delicadamente pendurado quase na ponta de seu nariz, transformando o rosto de Mariana (seu nome verdadeiro, pois Lila era um apelido carinhoso de seu falecido marido, e que acabou pegando na vizinhança) em algo muito parecido com uma obra de Niemeyer. Era uma idosa de aparência simpática, exceto quando tinha que lidar com um pesadelo recorrente em sua rotina: um micro-ondas que ganhou de sua filha no dia das mães do ano passado.
Ela acabou aceitando o presente com sorrisos, sinceramente feliz por ter sido lembrada por Ana, sua filha mais velha e a mais afastada dela, por conta do casamento e do fato de morar longe da casa de sua mãe. Porém, passada a festinha, veio a constatação:

- O que diabos vou fazer com esse negócio?!

Acabou chamando o neto mais novo de sua melhor amiga, a vizinha Vitória, tão velhinha quanto ela. Vitinho era um rapaz de quinze anos, moreninho, boné de aba reta virado pro lado, andava na rua com óculos espelhado e umas correntonas que deixavam Dona Lila apavorada, pois achava aquele visual um horror. E realmente era mesmo. Mas como não havia a quem recorrer, pediu que ele fosse até a casa dela para ligar aquela caixa branca na tomada e para ensiná-la como é que se mexia naquilo. Como ele não tinha nada para fazer depois do colégio matinal (e obviamente pressionado pela avó), ele topou e foi.
Mas o moleque se limitou a sentar-se numa cadeira e indicar os comandos para Dona Lila que, de pé diante do micro-ondas, quebrava a cabeça para adivinhar o que devia fazer, enquanto ele se pendurava em seu celular ultramoderno:

- Ó, a senhora pega e aperta esse botão aí do lado desse botãozão vermelho, esse grandão, pra descongelar as carnes. Aperta esse, daí a senhora programa quantos minutos precisa pra descongelar e quantos quilos tem a carne que a senhora botou aí dentro, depois aperta o último botão ali, aquele marrom...

- Menino, será que dá pra você levantar daí e vir aqui me ajudar? Não tô entendendo nada...

- Não dá não, tô aqui com uma mina no Whatsapp...

A velhinha tinha posto um prato de carne dentro do aparelho, só pra testar. Mas era um prato de plástico, e como todos sabem (se não souber, é porque você também não deve gostar muito de tecnologias...) esse tipo de material não se dá bem com fornos assim. E pra ajudar, esqueceu uma colher junto. Eis que ela conseguiu ligar, mas quando as faíscas começaram a sair de lá de dentro, tanto ela quanto o moleque saíram correndo, achando que, no mínimo, aquele troço ia explodir. Não explodiu, mas rendeu a Vitinho um belo sermão tanto de Dona Lila (que no susto apareceu descabelada e de chinelos na rua, coisa que ninguém nunca tinha visto até então) quanto de Dona Vitória; e, claro, sermão à moda antiga.

O fato é que no dia das mães desse ano, tudo corria bem até que os vizinhos ouviram um grito vindo da casa da velha Mariana. Ela havia acabado de abrir seu mais novo presente, dado pela filha mais nova, Júlia, que morava no estrangeiro. Não foi muito difícil para quem ouviu o que ela disse, em alto e bom som, adivinhar o que ela quis dizer quando descobriu que havia ganho um notebook novinho em folha:

- Pelo amor de Deus, de novo não!

2 comentários:

Tom disse...

Parece eu e mainha às voltas com o computador e o delular... meu velho sequer tenta, mas já se acha O mestre por saber escrsver sms... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Ai, ai, li isso me sentindo uma criatura muito cruel...

wallace p. disse...

Eu vi minha mãe aí no texto. Pra ela, essas coisas de tecnologia são assim, meio alienígenas, sabe?? Acho que eu também estou sendo um pouco cruel, mas isso não acontece mesmo, de verdade? Será que quando tivermos nosso 70 e poucos anos vamos ficar assustados com as novidades e nossos netos vão achar tudo engraçado? aiaiai...