sábado, 18 de março de 2006

Domingo





Para Letícia, minha irmã, que teve a humildade de ler antes
para ver se estava legal. E para meus pais, sr. Antonio Luiz e
dna. Luiza, por terem lido antes ainda: é o que dá
ficar de olho por cima dos meus ombros...



“Todas as batalhas na vida servem para nos ensinar alguma coisa – inclusive aquelas que perdemos. Quando crescemos, descobrimos que defendemos mentiras, enganamos a nós mesmos e sofremos por bobagens. Se formos bons guerreiros, não nos culparemos por isso – mas tampouco deixaremos que os erros se repitam”

Paulo Coelho, in “O Monte Cinco” - 1995




João tinha saído de casa, brigado com os pais. Isso já faziam três anos quase completos. Na verdade, ia completar três anos naquele domingo. Ele passou a semana pensando sobre o que o levou a sair de casa, assim tão repentinamente. Pensou, pensou e pensou. Talvez estivesse errado... Pensava em todos os seus atos depois daquele dia e, sinceramente, passou a achar que estava errado.

***


Sr. Oliveira era um pai de família típico do Brasil: trabalhou a vida toda sustentando os filhos, e quando se aposentou, pensando que poderá ter um pouco de paz, a vida e o governo federal o obrigaram a voltar à ativa, tendo de trabalhar de sol a sol para poder sustentar a casa. Mas tinha orgulho de manter todos os seus entes queridos à sua volta: sua mulher, com quem casou há distantes trinta e quatro anos, seus netos e seus filhos, todos eles... exceto um. Ele ainda tenta resgatar na memória o porque do seu primogênito ter ido embora daquela maneira. E, mesmo sem saber o porque, se culpa.

***


Era um sábado a tarde, e João estava em sua casa alugada, bem longe da casa por onde viveu por mais de doze anos. Fragmentos daquela discussão vinham a sua cabeça a todo instante. A cada minuto que passava, sua consciência apertava mais, trazendo à tona todas as lembranças daquele dia fatídico.

- Eu não quero!
- Você já não manda em mim! Faço o que quero! Sou responsável por mim mesmo, você não pode me impedir!
- Eu sou seu pai, João, e por mais que cresca sempre serei! Se eu digo que não quero que vá trabalhar no Rio, é pro seu bem! Não quero o seu mal, mas não posso deixar...
- Mas eu quero. Tenho já 27 anos, pai, quero ir e pronto!

A mãe e os irmãos acompanhavam à distância essa discussão. Apreensivos.

- Eu acho que é besteira. Você está sendo idiota, acreditando numa promessa vaga de emprego. E se não dá certo? Eu terei de ir te buscar?
- Ah, é isso? Você se preocupa, na verdade, com as despesas que teria caso não desse certo no Rio...
- Não é isso...
- É sim! Desde criança, você regula as minhas ações, sempre decidiu as coisas por mim, até o meu corte de cabelo você que mandava fazer, do seu jeito! Agora é minha vez. Eu acredito nessa possibilidade, vou atrás dela! E, se é assim, vou embora e não volto mais!

E ele sai, fechando a porta e deixando para trás uma vida inteira.
***
Finalmente, chegou o domingo. Dia de almoço de família. Eram dez horas da manhã. Os filhos e os netos vêm chegando, e o Sr. Oliveira se entristecia a cada um que aparecia. Porque a cada um que ocupava um lugar à mesa, imaginava que João ia abrir a porta, te dar um abraço e sentar-se na mesa, ao seu lado, como sempre foi.
Naquele mesmo instante, João tomava uma importante decisão.
***
Meio-dia. A esposa do sr. Oliveira traz a comida à mesa, os filhos todos sentados, junto dos netos, noras, genros, amigos da família... e uma cadeira vazia, ao lado do velho senhor. Por causa de todas as tribulações com seu filho, ficou deprimido, parou de trabalhar, passara dificuldades. E todos acompanhavam essa depressão. O sr. Oliveira olhava a cadeira com tristeza. Os outros tentavam animá-lo, mas nada conseguiam. Já dizia aquela passagem da Bíblia: "Se um de vocês tem cem ovelhas e perde uma, será que não deixa as noventa e nove no campo para ir atrás da que se perdeu, até encontrá-la?" Pois é... o sr. Oliveira queria encontrar a sua ovelha.
Quando o já cansado senhor pensou, naquele momento, em desistir de sua busca, imaginando que perdera seu filho para o mundo para sempre, eis que ele entra porta adentro. Chega na cozinha, ele olha a todos, que o olham de volta. Singelamente, senta-se ao lado de seu pai e diz:
- Me passe um prato, que eu estou com fome.
E a paz foi restaurada, por todos os tempos.

8 comentários:

Flávio Perina disse...

Falaí, companheiro Escrevinhadô. Parabéns pela crônica. Falar sobre família é sempre muito legal e essa "volta do filho pródigo" moderna, ficou bem interessante. Um grande abraço...

Anônimo disse...

Pô,Luiz... Me fazer chorar é dose...

Anônimo disse...

belo texto gostei muito dese blog voltarei mais vezes

Anônimo disse...

a Lista de músicas fez sucesso, passarei a idéia para as grandes gravadoras rsrsr. brincadeira.q ue bom q vc gostou, adorei o seu texto, e gostei muito da foto da mesa, pode achar brincadeira mais achei muito bonita

Anônimo disse...

Acho que vou virar um leitor assíduo desse blog... Parabéns aos escrevinhadores!
Aqueta
aqueta.zip.net

Anônimo disse...

Caro, lembrou-me "Lavoura Arcaica": O bom filho à casa retorna. Lembra passagem bíblica também. Célula-mater. Em alguns casos, o tempo é (sempre) o melhor remédio! Abraço!

Anônimo disse...

Uma mesa,
uma cadeira,
esperando você voltar...
Um abraço,
bem apertado,
é o que mais almejo ganhar...

Filho amado,
que um dia partiu,
que o mundo engoliu,
o teu pai,
fitando o horizonte,
espera paciente
teu regresso ao lar
para finalmente te confessar
que nunca deixou de te amar!

Aqueta
aqueta.zip.net

Anônimo disse...

Lindo. Boa dinâmica, bom ritmo, emoção contida que explode ao final. Gosatei. Elza